Cenário policial

A página da editoria de polícia do Diário do Nordeste de 31 de maio de 2008 pareceu-me emblemática. A manchete, "Justiça liberta mulher presa por tentar furtar leite", tinha chamada na primeira página do jornal. A foto (abaixo), de J. Luís, passava a emoção da mulher, grávida de seis meses, ao sair da delegacia onde ficou três dias detida. A mulher cometeu um crime e deveria ser processada por isso, mas pareceu faltar razão para que as autoridades a fizessem (aos plenos seis meses de gestação) passar esse tempo presa, até que uma advogada conseguisse que um juiz determinasse sua libertação.


Nessa mesma página, mais abaixo, uma notícia sobre um caso que havia impressionado (e devidamente sido esquecido alguns dias depois): um homem arrastado por um carro até a morte, fato ocorrido em Juazeiro do Norte. Em "Acusado de crime se entrega, mas é solto", lê-se que o acusado apresentou-se à polícia e confessou o homicídio. A foto (abaixo), também de J. Luís, também passa emoção: o sorriso do criminoso, bem à vontade num posto da PM, o qual não ficou preso "por não haver ordem de prisão contra ele".


Numa discreta nota curta, "Ancião morre ao ser colhido por uma viatura", a foto não tem crédito nem está disponível no site do DN: nela se vê, ao fundo, seu objeto principal, o corpo de um homem morto, atropelado, coberto por um plástico; e, em primeiro plano, o veículo que o atropelou, uma Parati prata de placa oficial. Era uma viatura da Polícia Militar. A nota informa que a vítima "não teria ouvido a buzina". Ao ler isso, pode-se concluir que, se o motorista buzinou...

Falando de jornalismo, comentários rápidos sobre as três matérias (que eu não tenho cacife para fazer análise). Na verdade, é a velha lista de perguntas que deveriam ter sido feitas, mas não foram — um problema cada vez mais comum no jornalismo... 1) No caso da mulher presa: quem pagou a advogada?, como essa mulher vivia?, a polícia não poderia tê-la libertado depois de algumas horas? 2) No caso do criminoso solto: não era possível a polícia impedir que o homicida confesso continuasse livre, com todas os riscos que essa liberdade implica? 3) No caso do idoso atropelado pela viatura: como assim "não teria ouvido a buzina"!?

O que a tal página 13 do primeiro caderno informa é mais que as notícias que traz impressas pura e simplesmente. Ela mostra o estado em que vivemos, onde uma mulher grávida fica três dias (e ficaria mais) presa por roubar uma lata de leite de R$ 6,30, onde um assassino confesso e procurado ri escorado na mesa da polícia e vai embora porque ninguém mandou prendê-lo, onde se morre atropelado por não se ter ouvido a buzina.

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